| Apresentação
 Os avanços da ciência e da tecnologia e as  novas descobertas que influenciam a vida social dos povos deveriam estar em  consonância com a melhoria de vidas daqueles que com sua força de trabalho  garantem a sobrevivência humana. No entanto, no mundo capitalista, estas novas  descobertas são capturadas para a sua própria reprodução, usando os avanços  científicos e tecnológicos para aumentar a exploração de trabalhadoras e  trabalhadores. 
 Onde a pós-graduação se insere neste  contexto? A pergunta que intitula o encontro "Pra que(m) serve o teu  conhecimento?” nos remete à discussão sobre a utilização do capital daquilo que  produzimos com nossas pesquisas e quais são os mecanismos criados para que de dentro  de nossos cursos sejam estabelecidas lógicas que garantam este trágico  resultado.
 
 Na história de resistência da América  Latina as universidades sempre cumpriram um papel determinante nas lutas em  defesa da educação pública, gratuita e laica e, por conseguinte, na defesa de  direitos do conjunto da sociedade. A comunidade científica e acadêmica,  historicamente, teve peso importante nos debates mais importantes da sociedade.  No entanto, sua ação por vezes é contraditória. O movimento estudantil, em  geral, é o motor das lutas, dos questionamentos a ordem capitalista e conta com  o apoio da resistência de parte importante dos trabalhadores (docentes e  técnicos). No entanto, a comunidade científica, aquela que atua na preservação  do seu status quo, quase sempre representando os interesses do capital,  contribui para reificar a hegemonia cultural e política das elites de poder que  determinam o que é ciência e a hierarquização entre pesquisadores e pesquisados  através de pesquisas que geralmente não estão a favor dos interesses da maioria  da população. Este mecanismo de dominação cria e reproduz dentro dos cursos e  pesquisas formas de organização que abortam o debate sobre o papel do capital  na vida humana. Ao determinar regras para a pesquisa e pesquisadores cria-se um  funcionamento interno dos cursos que prima pela meritocracia baseada na  hierarquia pré-determinada entre as ciências.
 
 Esta forma de pensar a produção científica  intensifica o individualismo gerando um forte clima de competição e, por vezes,  de constrangimento entre os pesquisadores nas instituições de ensino superior  de nosso continente. O cotidiano de trabalho dos(as) pós-graduandos(as),  docentes e pesquisadores nas instituições de ensino superior tem sido orientado  por valores centrados na produtividade, na assim chamada “inovação”  (intrinsecamente voltada para o mercado), na prestação de serviços e na  hierarquia dos diferentes campos do saber. O produtivismo, voltado às  necessidades da reprodução do capital e não na superação da dependência  econômica e cultural de nossos países, se expressa no incentivo à produção  científica em massa e em seu aumento quantitativo em detrimento da qualidade,  da relevância e da função social do conhecimento produzido. Este cenário se  impõe no mundo acadêmico e configura uma tentativa de esvaziamento do caráter  socialmente relevante e crítico das pesquisas realizadas nas universidades  latino-americanas.
 
 Diante de uma difícil conjuntura, sob a  qual avança o ideário neoliberal e a consequente mercantilização do  conhecimento, associado ao conservadorismo e ao cerceamento das liberdades de  pensamento e de expressão, é decisivo para a comunidade acadêmica das  universidades da América Latina estreitar relações em busca de uma organização  em torno do fortalecimento de uma rede de apoio político em defesa da  Universidade Pública, Gratuita e Laica e que esta produza conhecimento e  resistência em busca da superação dos problemas aos quais os povos estão  submetidos em um mundo em que o lucro e a propriedade privada é mais importante  que a vida.
 
 Em busca de dar passos nesta direção, este  primeiro encontro pretende provocar um debate que busque respostas para as  seguintes questões: Para que e para quem se faz pesquisa? Quem pode se  apropriar do conhecimento produzido e obter ganhos? Que relação têm nossos  projetos com o setor público, o setor privado e a população em geral? Quem  acessa aos cargos no sistema científico? Existem filtros de gênero, idade, raça  e/ou classe social? Que tipo de relações sociais se criam entre os membros do  sistema de Ciência e Tecnologia (concorrência, solidariedade, colaboração)? De  que forma os intelectuais e pesquisadores influenciam as correntes de opiniões  majoritárias de nossas sociedades?
 Por esta razão, nós pesquisadores,  estudantes e trabalhadores da América Latina e do Caribe que trabalhamos com  ensino, pesquisa e/ou extensão nas universidades latino-americanas cientes da  permanente transformação do mundo que vivemos,  queremos dedicar nossos esforços para a construção  de um conhecimento que dialogue com os desafios da realidade que vivemos.
 
 Chamamos a comunidade acadêmica da pós-graduação das universidades da  América Latina e Caribe à organização do Encontro que possa gerar uma posterior  articulação permanente de forma plural, ampla e coletiva, entendendo a  necessidade de avançar no conjunto dos debates propostos.
 Objetivos
 O encontro tem como objetivo fortalecer os  laços institucionais, acadêmicos e políticos entre estudantes e pesquisadores  que atuam na pós-graduação, frente à atual conjuntura de aprofundamento da  crise na educação e provável avanço qualitativo dos ataques à universidade  pública no Brasil e na América Latina. Entendemos que é urgente a construção de  um espaço plural de crítica, de formulação e amadurecimento de um horizonte  comum para a produção de uma ciência e tecnologia autônomas e comprometidas com  a realidade político-social dos territórios da América Latina e Caribe.  
  Portanto, propomos: 
 1) Criar um dispositivo de acompanhamento das  políticas voltadas para a educação e ciência nas universidades públicas na  América Latina e Caribe, que envolva a participação dos  estudantes/pesquisadores e que seja capaz de denunciar o projeto de desmonte e  de privatização das instituições públicas em curso;
 2) Discutir o Marco Legal de Ciência e Tecnologia (Lei  13.243/16- Brasil-) e seus análogos nos diversos países da América Latina, no  âmbito da função social da ciência e da pesquisa realizada nas universidades;
 3) Realizar um balanço crítico do processo crescente  de imposição da lógica produtivista à produção de conhecimento e de  precarização das condições de pesquisa, ensino e extensão na pós-graduação;
 4) Socializar experiências e construir uma rede entre  organizações e coletivos de estudantes e professores que atue na pós-graduação  nos diferentes países da América Latina e Caribe;
 5) Criar campanhas internacionais que garantam  articulação em defesa da educação e das Universidades públicas;
 6) Promover a criação de  redes de colaboração entre pesquisadores latino-americanos.
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